quinta-feira, 10 de julho de 2014

Duas ou três coisas que eu sei ‘deles’…


Em tempos que já lá vão, o defeso era uma época boa, com um sabor especial. Levantar cedo, pela fresca, tomar um saboroso pequeno-almoço numa boa esplanada, e ler as novas dos jornais desportivos, eram pequenos mas deliciosos prazeres que não se podia dispensar.

Discutir o futebol, sem a espuma dos dias, acompanhar a formação dos plantéis, as características dos jogadores, os nomes curiosos e as alcunhas, as expectativas sobre a chegada de algum craque, uma ou outra transferência-bomba, constituíam outros tantos momentos de interesse, até excitantes (mesmo quando as coisas não eram favoráveis ao Glorioso), entretendo os dias que se iam escoando, em contagem decrescente, até a bola (re)começar a rolar…

As notícias sobre entradas e saídas eram dadas com parcimónia. E mesmo quando eram meramente especulativas (sempre as houve), acalentava-se a esperança de que se concretizassem, ou não, conforme o sentido, mesmo que plenamente conscientes de que se tratava apenas de um jogo de faz-de-conta. Fazia parte…

A penetração em força do dinheiro no futebol, em torno dos milhões dos mercados televisivos e, nos anos mais próximos, da ‘lavagem’ de rublos, euros ou dólares, muito (quase tudo?) veio alterar, contaminar, prostituir…

Os defesos perderam o encanto e transformaram-se em momentos irritantes, cansativos, dolorosos, com os media, dependentes, prostituídos, transformados em plataformas ao serviço de manobras de comunicação de interesses, mandando às malvas a ética profissional e o dever de informar.

A ética do dinheiro é apenas fazer mais e mais dinheiro. Sem princípios, o dinheiro é o princípio, os meios e os fins. O valor subjuga os valores. Apenas interessa fazer render a mercadoria ao melhor preço. Amor à camisola? Agora jura-se, daqui a nada renega-se, porque ‘amor’ mais valioso se alevanta. Clube? Selecção? Tudo é negociável.

Instituições (Federações, UEFAs, FIFAs) que passam a gerir milhões, contaminadas pelos interesses e a corrupção. Dirigentes apenas interessados em conservar poleiros e mordomias, e manter a roda a girar. Resultados viciados pelos mercados das apostas. Até o tráfico paralelo de bilhetes já é de alta organização, como o mostra o recente caso do CEO da Match Services que fornece os serviços de ticketing à FIFA...

‘Milionários investidores’, ‘Fundos’ sem controlo, ‘empresários’ e ‘representantes’ cada vez mais refinados, apoiados em grandes escritórios de advogados, negócios paralelos, marketings, a ‘imagem’ sem conteúdo, sponsorizações, um ror de comissionistas, pequenas e grandes prostitutas, numa cadeia alimentar que se enovela e complexifica, cravando-se cada vez mais fundo no corpo do futebol, parasitando-o e ameaçando cativar-lhe a alma…

E este belo jogo, simultaneamente tão simples e produtor de configurações tão complexas, que tanto nos entusiasma e arrebata, que traduz, reflecte, e projecta tanto do nosso ser social e das nossas identidades mais ancestrais, a tudo vem resistindo.

Até quando?...
 
 

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