Em tempos que já lá vão, o defeso era uma
época boa, com um sabor especial. Levantar cedo, pela fresca, tomar um
saboroso pequeno-almoço numa boa esplanada, e ler as novas dos jornais
desportivos, eram pequenos mas deliciosos prazeres que não se podia dispensar.
Discutir o futebol, sem a espuma dos dias, acompanhar
a formação dos plantéis, as características dos jogadores, os nomes curiosos e
as alcunhas, as expectativas sobre a chegada de algum craque, uma ou outra
transferência-bomba, constituíam outros tantos momentos de interesse, até
excitantes (mesmo quando as coisas não eram favoráveis ao Glorioso), entretendo
os dias que se iam escoando, em contagem decrescente, até a bola (re)começar a
rolar…
As notícias sobre entradas e saídas eram
dadas com parcimónia. E mesmo quando eram meramente especulativas (sempre as
houve), acalentava-se a esperança de que se concretizassem, ou não, conforme o
sentido, mesmo que plenamente conscientes de que se tratava apenas de um jogo
de faz-de-conta. Fazia parte…
A penetração em força do dinheiro no futebol,
em torno dos milhões dos mercados televisivos e, nos anos mais próximos, da
‘lavagem’ de rublos, euros ou dólares, muito (quase tudo?) veio alterar,
contaminar, prostituir…
Os defesos perderam o encanto e
transformaram-se em momentos irritantes, cansativos, dolorosos, com os media, dependentes, prostituídos, transformados em
plataformas ao serviço de manobras de comunicação de interesses, mandando às
malvas a ética profissional e o dever de informar.
A ética do dinheiro é apenas fazer mais e
mais dinheiro. Sem princípios, o dinheiro é o princípio, os meios e os fins. O
valor subjuga os valores. Apenas interessa fazer render a mercadoria ao melhor
preço. Amor à camisola? Agora jura-se, daqui a nada renega-se, porque ‘amor’
mais valioso se alevanta. Clube? Selecção? Tudo é negociável.
Instituições (Federações, UEFAs, FIFAs) que passam
a gerir milhões, contaminadas pelos interesses e a corrupção. Dirigentes apenas
interessados em conservar poleiros e mordomias, e manter a roda a girar. Resultados
viciados pelos mercados das apostas. Até o tráfico paralelo de bilhetes já é de
alta organização, como o mostra o recente caso do CEO da Match Services que fornece os serviços de ticketing à FIFA...
‘Milionários investidores’, ‘Fundos’ sem
controlo, ‘empresários’ e ‘representantes’ cada vez mais refinados, apoiados em
grandes escritórios de advogados, negócios paralelos, marketings, a ‘imagem’
sem conteúdo, sponsorizações, um ror de comissionistas, pequenas e grandes
prostitutas, numa cadeia alimentar que se enovela e complexifica, cravando-se cada
vez mais fundo no corpo do futebol, parasitando-o e ameaçando cativar-lhe a
alma…
E este belo jogo, simultaneamente tão simples
e produtor de configurações tão complexas, que tanto nos entusiasma e arrebata,
que traduz, reflecte, e projecta tanto do nosso ser social e das nossas
identidades mais ancestrais, a tudo vem resistindo.
Até quando?...
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