Num
post que coloquei há tempos (“Garay é
um central bárbaro!”), por entre divagações sobre os meus mitos argentinos, assinalei
alguns dos filhos mais ilustres desse fascinante país.
É
claro que outros ficaram por referir, desde o grande Quino e a sua irreverente
Mafalda, ao actual Papa Francisco. De Juan Manuel Fangio, talvez o maior piloto
de todos os tempos, a Carlos Monzón, campeão mundial de pesos médios.
Porém,
apenas uma omissão foi, verdadeiramente, imperdoável: El Che!...
Ernesto
Guevara, de seu nome de registo, assinando por vezes como Ernesto Guevara Serna,
associando o apelido da sua mãe; imortal e eternamente conhecido como Che (por usar, a todo o tempo, essa
popular interjeição argentina, de saudação ou de chamada de atenção), nasceu a
14 de Maio de 1928, em Rosário, Argentina, e morreu em 9 de Outubro de 1967, em
La Higuera, Bolívia, assassinado pelos militares, com a colaboração da CIA.
Mito
maior entre os mitos, ícone imortalizado no perene e vívido retrato de Alberto
Korda, milhões de vezes reproduzido, Che Guevara, mais do que um revolucionário
romântico, foi, sobretudo, um firme e duro combatente pela emancipação dos
oprimidos e a libertação dos povos, pela criação de um “hombre nuevo”, movido por uma ética de solidariedade e bem comum. Um
dos Comandantes da Revolução cubana, que quis estender à América Latina e a
todo o mundo, luta pela qual deu a vida, aos 39 anos de idade.
Formado
em Medicina, interessado por economia, literatura (de Emíio Salgari e Júlio
Verne, na sua jovem adolescência, a Baudelaire, Kafka, Miguel Ángel Asturias,
Neruda), e filosofia (Sartre, Camus), Che Guevara foi também um grande
entusiasta por desporto e, naturalmente, por futebol.
Fortemente
asmático, desde os dois anos de idade, não deixou que as limitações e
dificuldades que a doença lhe colocava o impedissem de praticar desportos, como
o rugby e o futebol.
Adepto
do Rosário Central e grande fã de Alfredo Di Stéfano, o Che fazia as suas
peladinhas, jogando a guarda-redes.
Em
1952, aos 24 anos, o Che empreendeu uma viagem de sete meses, em motorizada, por
vários países da América do Sul, na companhia do seu amigo Alberto Granado.
Esta
viagem, pela Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Venezuela, proporcionou-lhe uma
vivência directa da realidade humana, e um contacto com os sectores mais
populares, excluídos e explorados da América Latina, uma inesquecível
experiência que, no dizer do Che, provocou uma profunda mudança na sua atitude
perante a vida.
Che
Guevara e Alberto Granado relataram a sua experiência em ‘diarios de viaje’, posteriormente conhecidos como Diarios de Motocicleta, em que o
brasileiro Walter Salles se baseou para realizar um filme, em 2004.
No
seu diário (Ernesto Guevara, Diários de Motocicleta. Planeta,
Buenos Aires, 3ª edição, 2003), o Che relata um episódio delicioso. Já nos
últimos meses de viagem, ele e Granado partem do Perú e descem o rio Amazonas,
de balsa (a motocicleta, a que chamavam Poderosa
II, há muito que tinha ‘morrido’, algures, em pleno Chile), aportando ao
povoado de Leticia, já na Colômbia, com o intuito de apanharem transporte para a capital,
Bogotá.
Com
escassos recursos, e embora bem recebidos pela população que lhes forneceu
alojamento e alimentação, os dois amigos não dispunham, porém, de meios para
pagar a passagem e respectiva bagagem, no hidroavião que fazia a ligação a
Bogotá, pela qual, ainda por cima, teriam que esperar cerca de duas semanas.
Seria
o futebol a salvar a situação… A fama do enorme talento dos argentinos para o futebol
já então corria a América Latina e meio mundo. Naquela altura, Di Stéfano e
Adolfo Pedernera (outro enorme talento argentino) faziam miséria,
precisamente, na Colômbia, no Millonarios de Bogotá, numa super-equipa
designada de ‘Ballet Azul’, que
ganhou vários campeonatos seguidos e viajou pela Europa, tendo vencido o Porto
por 2-1.
Ora,
sendo Che e Granado argentinos de gema, acabaram contratados, como treinadores,
por um clube de futebol local. A sua intenção era, apenas, treinar a equipa,
mas, diz o Che: “Como eram muito maus, decidimos jogar também”.
Logo
tem lugar um torneio-relâmpago, com a equipa do Che na cauda das expectativas,
por ser a mais fraquinha. O certo é que, com o Che a guarda-redes e Granado
como maestro, a equipa ganha jogo atrás de jogo, apenas perdendo a final, nos
penaltis…
Granado
logo ganhou a alcunha de ‘Pedernerita’ pela sua semelhança com Adolfo Pedernera
e os seus passes milimétricos. Quanto ao Che defendeu um penalti que ficou na
história do futebol de Leticia.
Embora
não seja referido nos ‘Diários’, conta-se que, chegados a Bogotá, Che e Granado
tiveram um encontro com o ídolo Alfredo Di Stéfano que lhes arranjou dois
bilhetes para assistirem a um jogo amistoso entre o Millonarios e o Real Madrid
que viria depois a contratar Di Stéfano, num processo atribulado, com o
Barcelona pelo meio.
Outra
história curiosa envolve o Madureira Esporte Clube, do Rio de Janeiro, fundado
em 1932 e que tem como mascote o papagaio Zé Carioca. Actualmente a disputar a
Série C do Campeonato Brasileiro, o Madureira nunca alcançou mais do que o
segundo lugar no campeonato estadual.
Porém,
no início dos anos de 1960, o Madureira teve alguma notoriedade, sobretudo com as
suas viagens pelo exterior, detendo o recorde do clube brasileiro com maior
permanência fora do país, mais precisamente, 144 dias (!), no ano de 1961, com
36 jogos realizados na Europa, Ásia e Estados Unidos, obtendo 23 vitórias, 3
empates e dez derrotas.
Os
jogos amistosos eram negociados pelo Zé da Gama, português que presidiu ao
clube no biénio de 1959-60 e era empresário de futebol.
No
ano de 1963, nova tournée, agora pela América Latina, com jogos disputados na
Colômbia, Costa Rica, El Salvador, México e Cuba.
Em
Cuba, o Madureira disputou e venceu cinco jogos, dois dos quais com a selecção
de Havana. No segundo jogo Che Guevara, então ministro da indústria, assistiu
à partida e confraternizou com os jogadores (ver fotos).
No
ano passado, o Madureira, para celebrar os 50 anos deste acontecimento, colocou o
célebre retrato do Che nos equipamentos, ao que parece alcançando um novo
recorde, agora em número de vendas…
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