‘O
Horizonte é Vermelho!’ tem apenas dois meses de existência. Já aqui
foi dito, mas reafirma-se, para que fique bem claro: a única entidade a que
este blog jura fidelidade, e de que é absolutamente indefectível, é o Sport
Lisboa e Benfica, as suas memórias e os seus valores profundos, sincretizados,
de forma suprema e sublime, no lema que os nossos fundadores souberam escolher:
E pluribus unum!
Não seguimos, acriticamente, Presidentes, nem
oposições. Todos passam, apenas o Benfica permanece. Apoiamos quando achamos
que há razões para apoiar, criticamos quando consideramos dever criticar.
Sempre, e só, com o intuito de defender o que pensamos ser o melhor para o
Sport Lisboa e Benfica. O resto é conversa.
Posto isto, vamos ao tema em apreço: a posição
do Benfica em relação às eleições da Liga, em particular, e à dita cuja, em
geral.
E começo por dizer que para apoiar ou
criticar algo ou alguém, as suas declarações, posições ou atitudes, é necessário
compreendê-las. E, para tal, é necessário que haja comunicação, clareza,
esclarecimento. A não existirem, resta fazer interpretações. Ora, o campo da
‘interpretação’ é um terreno movediço, propício à influência das ideias
pré-concebidas, dos pré-juízos, da atribuição de intenções, etc. Quem não
esclarece não pode queixar-se de ser mal interpretado…
Posto isto, não entendi, sinceramente, qual
foi a posição do Benfica em relação às eleições para a Liga, nem qual é a
posição actual em relação à mesma.
O Benfica esteve, ou não esteve, na génese de
alguma das candidaturas, ainda que temporária e condicionalmente? Se sim, o que
é que falhou, para o apoio não se concretizar?
Porque é que o Benfica, durante a campanha
eleitoral não se pronunciou sobre as listas, explicitando o seu apoio, não
apoio ou abstenção?
O comunicado do Presidente posterior às
eleições, em vez de esclarecer, veio criar ainda mais pontos de interrogação. E
subsistem bastantes.
Por que é que o Benfica não participou no
acto eleitoral, votando em branco?
O que significa dizer que “Nestas eleições
não houve vencedores nem vencidos”?
Quem é que procurou, com estas eleições
“Ajustes de contas com o passado”? E quem que é que “Apenas viu neste acto
eleitoral uma oportunidade de promoção pessoal sem qualquer outro projecto”?
O que significa dizer que Mário de
Figueiredo, não sendo o culpado da situação a que se chegou, “Também poderia
ter assumido uma atitude mais conciliatória”? Com quê? Com quem? Em que
circunstâncias? Em que matérias?
O que significa dizer que “Chegados aqui e uma
vez eleito o Dr. Mário de Figueiredo temos a obrigação de o ajudar, dando-lhe a
oportunidade de com os clubes procurar uma posição conciliatória”?
Idem, idem, aspas, aspas?
Já aqui elogiei o Presidente Vieira várias
vezes e em relação a vários temas, desde a credibilização e reestruturação do Clube,
até a atitudes positivas de liderança, passando pela Benfica TV. Mesmo na área
do futebol, Vieira tem vindo a dar passos cada vez mais seguros.
Mas Vieira também tem aspectos menos
positivos e criticáveis. Um deles é a sua aparente distanciação em relação aos
sócios e adeptos. Vieira não confere importância particular à comunicação com
os adeptos, ao explicar-se perante os adeptos. Para além de um imenso
público-alvo para os produtos do clube, os adeptos parecem ser, para Vieira,
apenas uma ‘massa’, a quem não vale a pena dar grandes explicações, porque não
conhecem (nem podem conhecer) nem estão (nem podem estar) por dentro dos
meandros, complicados, dos negócios e do futebol e, portanto, não podem, nem
devem, saber tudo ou muitas coisas. Ou seja, para a ‘massa’ o que interessa são
os resultados. No resto têm que seguir e confiar na Direcção.
Mas os adeptos do Benfica não querem só panem et circenses. Com pão e circo tem
sido levada a massa adepta do Porto, há 30 anos, sob as cortinas de fumo do
regionalismo ‘anti-sul’ e anti-Benfica, com o clube a ser exaurido de recursos,
enquanto o ‘imperador’, a sua entourage e associados, têm enchido os bolsos,
distribuindo as sobras pelos lacaios e as migalhas pelos cães.
Os adeptos do Benfica querem perceber e saber
como as coisas se passam, como são representados pela sua Direcção. Um clube é
constituído por quatro elementos essenciais: i) os valores, memórias,
conquistas e símbolos; ii) os sócios e adeptos; iii) as equipas representativas;
iv) o(s) território(s). As Direcções, por muito importantes que sejam (e
são-no!) são apenas emanações dos sócios, pelo menos nos clubes que ainda
mandam nas SAD.
O comunicado de Vieira, acima reproduzido no
essencial, é um exemplo de não comunicação com os sócios e adeptos. Aquele
comunicado não foi feito para os sócios e adeptos, é um conjunto de recados
implícitos ou semiexplícitos, dirigidos para os outros ‘actores’ do meio,
dentro e fora do sistema.
Como referi anteriormente, à falta de explicações,
restam as interpretações. E, perante o sucedido, pode haver interpretações
‘malignas’ e interpretações ‘benignas’. Para não assustar os mais sensíveis,
adianto desde já que, até prova em contrário, opto pelas interpretações
‘benignas’.
As interpretações ‘malignas’ são do género: ‘Vieira
não pretende nem nunca pretendeu afrontar o sistema. É amigo do Oliveira, não
perde oportunidade de lhe agradecer o apoio que deu ao Benfica. Não vai
deixá-lo afundar-se. Apenas pretende entender-se com o sistema. Por isso não
ataca as arbitragens. Já apoiou o Fernando Gomes, agora queria um compromisso
em torno do Seara, só que a coisa não correu bem. Não quer fazer concorrência à
Sport TV. Ainda vai acabar por ceder de novo os direitos televisivos’, etc.
etc.
A minha interpretação ‘benigna’ é, com ajuda
da imaginação, a seguinte.
Luís Filipe Vieira, na sua procura de
reerguer o Benfica, entrou em rota de colisão com o sistema, nomeadamente, em
torno do processo Apito Dourado, mas apercebeu-se que os tentáculos do polvo
eram demasiado extensos e relevantes, dominando não apenas os meandros do
futebol, mas abrangendo também posições chave nos meios de comunicação social,
e com fortes penetrações nos sistemas político e judicial.
Vieira convenceu-se de que uma estratégia de
ataque frontal estava votada ao fracasso (o resultado do dito processo Apito
Dourado seria a prova mais acabada) e optou por uma estratégia e tácticas de
ataque lateral.
Por um lado, apostando no desgaste
progressivo do sistema, seja por degradação interna, seja por ganho de (alguma)
influência ao aproximar-se de aparentes fenómenos de distanciação, como seria o
caso de Fernando Gomes. Seja, ainda por uma atitude mais condescendente e
‘atractora’ em relação aos árbitros, deixando de atacar as arbitragens.
Por outro lado, e essencialmente, continuando
um caminho de fortalecimento das estruturas do clube, nomeadamente na formação
(Seixal), no reforço da equipa de futebol, e das próprias modalidades,
ganhando força e ‘poder’ no terreno que verdadeiramente importa: as vitórias e
os títulos, que sustentam o clube, alargam o prestígio, a área de influência e
o crescimento económico-financeiro.
Só que, como esta última vertente está muto
condicionada pela primeira (o poder do sistema), as coisas não correram tão bem
como se previa e desejava, e vários títulos foram perdidos à beira da praia.
Porém, e porque nas coisas más há sempre algo
de bom, a crise económico-financeira, que teve em Portugal particulares efeitos
negativos, veio acelerar os problemas e dificuldades, anunciadas, de um dos
pilares do sistema: a Controlinveste/Olivedesportos/SportTV.
E aqui, Luís Filipe Vieira soube ler bem os
acontecimentos e colocar as peças em jogo. Atacou, subiu a parada financeira
dos direitos televisivos, colocou Oliveira entre a espada e a parede, não
apenas pelo valor elevado da proposta do Benfica, mas porque tinha que subir os
valores contratuais com o Porto. E, finalmente, dando um forte ‘cheque ao rei’
com a criação da Benfica TV.
Esta jogada comportava riscos efectivos e uma
saída vitoriosa implicava, necessariamente, a conquista de títulos. E aqui
assume toda a importância a manutenção de Jorge Jesus, no início da época
passada.
As conquistas de todas as provas nacionais e
a repetição da presença na final da Liga Europa (uma vitória na final pouco
mais acrescentaria) vieram, finalmente, dar o lastro e a sustentabilidade,
nacional e internacional, de que o clube necessitava, para abrir
definitivamente um novo ciclo de afirmação.
O futebol é um campo social e uma actividade
social, com dinâmicas de poder (material, simbólico, de status), interesses e
ambições, estratégias e tácticas ‘políticas’.
A posição do Benfica no concerto dos seus ‘pares’
é hoje muito diferente da que era no início da época passada. O Benfica tem
hoje mais ‘poder’ do que tinha, por força dos títulos alcançados e do êxito da
Benfica TV, e maior capacidade de influenciar e aproximar outros clubes da
primeira e segunda Ligas.
Neste contexto, continuo eu a interpretar com
imaginação, Luís Filipe Vieira avançou na sua estratégia de ataque ‘lateral’
levando o Benfica a assumir uma posição de pacificação, conciliação,
convergência.
O objectivo não será substituir o ‘sistema azul’
por um ‘sistema vermelho’ (do meu ponto de vista seria uma desgraça para o
Benfica, e uma degradação dos seus valores), mas sim alcançar um sistema de
equilíbrio, nomeadamente entre os três grandes, com regras de competição ‘justas’,
nomeadamente no que respeita a receitas televisivas e arbitragens.
É que num contexto de equilíbrio ‘justo’ a maior
força natural do Benfica (número de adeptos, equipa, estruturas, Benfica TV)
seria suficiente para assegurar uma posição de dominância desportiva e a
regularidade de um novo ciclo vitorioso.
E aqui entram as eleições para a Liga. É
provável que Luís Filipe Vieira tenha ensaiado uma aproximação conciliatória em
torno da candidatura de Seara, nomeadamente daquela cuja lista incluía Rui Rangel.
Só que o sistema quis forçar a nota e ‘puxou’ Seara demasiado para o seu lado
(e ele lá foi, claro…) e quem tudo quer, arrisca-se a tudo perder.
É neste contexto de aproximação conciliatória
e ‘influenciadora’ que Vieira não levou o Benfica a estar presente no acto
eleitoral. Com esta ausência, Vieira quis dizer ao ‘outro lado’ que não
legitimava, com a sua presença, o acto eleitoral e o resultado. Para, logo de
seguida, vir, através do dito comunicado, deixar recados e sinais, aos clubes e
a Mário Figueiredo, cujo significado, interpreto eu, será algo do género ‘Tenham
calma, ninguém perdeu nem venceu, ninguém ganha com um conflito judicial,
vamos, juntar-nos à mesa, acertar bases comuns, para avançar no interesse de
todos os clubes e do futebol’.
E quais serão estas ‘bases comuns’ que só
poderão estar relacionadas com o tema dos direitos televisivos?
Aqui, confesso que já estou cansado de interpretar
e imaginar, e não consigo (ou não quero) ir mais longe. Pelo menos, para já.
Termino, voltando à questão inicial. Luís
Filipe Vieira (a Direcção do Benfica) tem que comunicar com os sócios e
adeptos. É evidente que há estratégias e tácticas ‘políticas’ que não têm que ser
reveladas, sob pena de não surtirem efeito. Mas há sempre formas simples e
eficazes de fazer sentir aos sócios e adeptos qual é a posição do Clube em
questões relevantes, e tranquilizá-los relativamente à defesa da imagem e dos
interesses do Clube, evitando interpretações erradas, sejam elas ‘malignas’ ou ‘benignas’.
Não foi isso que aconteceu, uma vez mais, no
caso das eleições da Liga, nem foi isso que aconteceu com o comunicado
posterior de Luís Filipe Vieira. Durante quanto tempo continuará a não acontecer?
PS: O Campeonato do Mundo começou mal, no que
toca à arbitragem. Desgraçadas das equipas que se atravessarem na frente do
Brasil (e não só). Os interesses comerciais, nomeadamente da FIFA, e os interesses
políticos (prementes) de Dilma Rousseff obrigam o Brasil a estar na final. A
continuar assim, isto irá transforma-se num circo, terá dito o treinador da
Croácia. Pobre futebol, como é que resistes?