Uma das coisas boas da dolorosa travessia do
chamado ‘defeso’ é deixar-nos maior disponibilidade para apreciarmos e
saborearmos alguns nacos do que há de melhor no mundo do futebol.
Deliciosa, a curta entrevista que Aimar deu a
um programa de rádio argentino. Inquirido sobre um eventual regresso ao River, disse
Pablito: “Não gosto de jogar em lugares onde não esteja à altura. Da cabeça
estou bem, mas quero ver se fisicamente estou em condições para jogar a alto
nível. Tenho visto jogadores que não se dão conta disto”. E acrescentou: “Não
quero ir tocar a bola para os lados. O futebol argentino é muito físico. Não me
agrada jogar com a experiência, prefiro a juventude. Vou pôr-me bem fisicamente
e então logo elegerei o lugar onde vou terminar a minha carreira”. E rematou, El Mago: “Eu quero deixar o futebol, não
quero que o futebol me deixe a mim…”.
Sobre a selecção argentina, depois de comentar
que “Parece que agora é que se estão a dar conta que Di María é um fenómeno”,
disse Aimar de Garay: “Oiço gente a dizer que não temos centrais. Não vêem o
Garay?! É claro que, depois de Ayala, é difícil, mas Garay é um central bárbaro!”
‘Bárbaro’, claro, no sentido de fantástico!
Bárbaro Aimar! Que saudades do suave tango que desenhavas em campo, e como o
teu sorriso, permanente, se iluminava ainda mais com o esplendor do manto
sagrado!
Bárbaros Saviola e Angelito, que já não
estais. Bárbaro Garay, que não vais estar! Bárbaros Enzo! Gaitán! Salvio!
Voltarei a ver-vos de águia ao peito?...
Bendito país que dá à luz génios em cada
geração, como Di Stéfano, Maradona (la mano de Dios es tu mano, Diego) e Messi,
e alimenta o mundo do futebol com um número incontável de jogadores de
altíssimo quilate (Fillol, Passarella, Kempes, Caniggia, Batistuta, Redondo,
Ayala, Zanetti, Riquelme, Tévez, todos os nossos, e tantos outros…).
Confesso que a Argentina é um dos países que
povoam o meu imaginário, do Iguazú às Pampas, do Cuyo à Patagónia e Tierra del
Fuego, passando por esse coração vibrante que é Buenos Aires.
Argentina que viu nascer José de San Martín
(José Francisco de San Martín y Matorras) um dos grandes heróis das
independências sul-americanas, juntamente com Simón Bolívar.
Pátria de filhos ilustres e sublimes, como José
Hernández, Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato, Julio Cortázar.
Argentina, um dos cadinhos onde se produziu a
alquimia do tango, expressão vibrante de vida, paixão e morte, do eterno Carlos
Gardel [Por una cabeza / si ella me
olvida / qué importa perderme / mil veces la vida / para que vivir…] ao
bandoneón do enorme Astor Piazzola (Adiós
Nonino…).
Um país que nos últimos cem anos passou por
tudo, desde o populismo peronista, a refúgio de ex-nazis, aos recorrentes
golpes militares cujo paroxismo foi atingido na horrenda, criminosa e
sanguinária ditadura de Videla (pobres, queridas, mães da Plaza de Mayo que
nunca mais souberam dos seus filhos), passando por uma bancarrota. E sempre se
levantou.
Grande parte do(s) encanto(s) desta vida não
está na realidade, em si, mas na poesia dos mitos que construímos sobre ela.
Nunca fui à Argentina. Sei que um dia irei.
Saber da realidade e do mito, e cantar com
Gardel: “Mi Buenos Aires querido, /
quando yo te vuelva a ver, / no habrá más penas ni olvido…”
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