quinta-feira, 29 de maio de 2014

“Garay é um central bárbaro!”


Uma das coisas boas da dolorosa travessia do chamado ‘defeso’ é deixar-nos maior disponibilidade para apreciarmos e saborearmos alguns nacos do que há de melhor no mundo do futebol.

Deliciosa, a curta entrevista que Aimar deu a um programa de rádio argentino. Inquirido sobre um eventual regresso ao River, disse Pablito: “Não gosto de jogar em lugares onde não esteja à altura. Da cabeça estou bem, mas quero ver se fisicamente estou em condições para jogar a alto nível. Tenho visto jogadores que não se dão conta disto”. E acrescentou: “Não quero ir tocar a bola para os lados. O futebol argentino é muito físico. Não me agrada jogar com a experiência, prefiro a juventude. Vou pôr-me bem fisicamente e então logo elegerei o lugar onde vou terminar a minha carreira”. E rematou, El Mago: “Eu quero deixar o futebol, não quero que o futebol me deixe a mim…”.

Sobre a selecção argentina, depois de comentar que “Parece que agora é que se estão a dar conta que Di María é um fenómeno”, disse Aimar de Garay: “Oiço gente a dizer que não temos centrais. Não vêem o Garay?! É claro que, depois de Ayala, é difícil, mas Garay é um central bárbaro!”

‘Bárbaro’, claro, no sentido de fantástico! Bárbaro Aimar! Que saudades do suave tango que desenhavas em campo, e como o teu sorriso, permanente, se iluminava ainda mais com o esplendor do manto sagrado!

Bárbaros Saviola e Angelito, que já não estais. Bárbaro Garay, que não vais estar! Bárbaros Enzo! Gaitán! Salvio! Voltarei a ver-vos de águia ao peito?...

Bendito país que dá à luz génios em cada geração, como Di Stéfano, Maradona (la mano de Dios es tu mano, Diego) e Messi, e alimenta o mundo do futebol com um número incontável de jogadores de altíssimo quilate (Fillol, Passarella, Kempes, Caniggia, Batistuta, Redondo, Ayala, Zanetti, Riquelme, Tévez, todos os nossos, e tantos outros…).

Confesso que a Argentina é um dos países que povoam o meu imaginário, do Iguazú às Pampas, do Cuyo à Patagónia e Tierra del Fuego, passando por esse coração vibrante que é Buenos Aires.

Argentina que viu nascer José de San Martín (José Francisco de San Martín y Matorras) um dos grandes heróis das independências sul-americanas, juntamente com Simón Bolívar.

Pátria de filhos ilustres e sublimes, como José Hernández, Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato, Julio Cortázar.

Argentina, um dos cadinhos onde se produziu a alquimia do tango, expressão vibrante de vida, paixão e morte, do eterno Carlos Gardel [Por una cabeza / si ella me olvida / qué importa perderme / mil veces la vida / para que vivir…] ao bandoneón do enorme Astor Piazzola (Adiós Nonino…).

Um país que nos últimos cem anos passou por tudo, desde o populismo peronista, a refúgio de ex-nazis, aos recorrentes golpes militares cujo paroxismo foi atingido na horrenda, criminosa e sanguinária ditadura de Videla (pobres, queridas, mães da Plaza de Mayo que nunca mais souberam dos seus filhos), passando por uma bancarrota. E sempre se levantou.

Grande parte do(s) encanto(s) desta vida não está na realidade, em si, mas na poesia dos mitos que construímos sobre ela.

Nunca fui à Argentina. Sei que um dia irei.

Saber da realidade e do mito, e cantar com Gardel: “Mi Buenos Aires querido, / quando yo te vuelva a ver, / no habrá más penas ni olvido…”

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