Podem estar descansados,
vou tentar não entrar num jogo de trocadilhos fáceis em torno dos Jesus e das
suas ‘paixões’. Pretendo sobretudo discorrer um pouco sobre a vida de Jesus (o
Jorge) no Benfica e indagar até que ponto tem vindo a evoluir com a experiência
no Templo, ou seja, na Catedral.
Comecemos por recorrer a
Pascal, não o adjectivo relativo a Páscoa, mas Blaise Pascal, homem de ciência, filósofo e teólogo do século XVII.
Numa conferência de
imprensa, em Março do ano passado, Jesus brandiu perante os jornalistas uma
citação de Pascal, fornecida pelo amigo e mentor, filósofo e epistemólogo do desporto,
Manuel Sérgio: “O coração tem razões que
a razão não entende”.
Vinte e sete anos mais
novo que Descartes, vivendo num século em que a luta pelo estatuto e afirmação
do poder da razão atingiu um dos pontos mais altos, Pascal, matemático e homem
de ciência, não negava o poder e a necessidade da razão, nomeadamente no
conhecimento das leis da natureza, mas foi um dos primeiros a afirmar os
limites da razão e a importância do ‘coração’, sobretudo no conhecimento das
coisas humanas.
Pascal designava o
conhecimento racional, demonstrativo, de esprit
de géométrie (espírito de geometria) e o conhecimento pelo ‘coração’ de esprit de finesse (espirito de finura,
sagacidade).
Para Pascal o ‘coração’,
o esprit de finesse, não abrange apenas
as emoções e sentimentos, mas também uma certa forma de conhecimento intuitivo,
de sagacidade. Se o esprit de géométrie
conhece pelo raciocínio, o esprit de
finesse conhece pela compreensão.
Estas questões são de grande
actualidade e são tema de proa na investigação moderna, designadamente nas
neurociências, onde pontifica o investigador português António Damásio (O Erro de Descartes, O Conhecimento de Si, O
Livro da Consciência).
Tudo isto vem a propósito,
não apenas por Jesus ter citado Pascal, mas sobretudo pelo facto de Jorge Jesus
assumir que procura integrar razão e emoção na sua ‘ciência’ do treino de
futebol.
Na palestra que fez na
Faculdade de Motricidade Humana, também em Março do ano passado, Jesus quis
sublinhar a sua condição de autodidata e criador da sua ‘ciência’ do futebol.
Esta ‘ciência’ assenta
em cinco fundamentos (“Fui eu que os criei”, afirmou Jesus): Criatividade, Saber
Operacionalizar, Liderança, Organização, Paixão.
Nestes fundamentos, razão
e emoção estão sempre presentes. Mesmo no ponto da Organização, da ‘estrutura’,
que inclui o departamento médico, Jesus não deixou de afirmar que, nalguns
casos, mesmo quando as análises clínicas (científicas) apontam para o facto de
um jogador poder estar fatigado, ele pode decidir pô-lo a jogar quando a
observação que faz dele e a disposição que apresenta demonstram que pode
render em campo.
Jesus afirmou também ser
um ‘homem de convicções’. Alguns chamam-lhe teimoso, mas não é teimosia, diz, é
convicção. Não adapta o modelo de jogo às características dos jogadores, são
estes que têm que adaptar-se ao seu modelo de jogo.
Esta palestra mostrou um
Jorge Jesus inteligente, profundamente conhecedor do futebol e da metodologia
de treino, alguém que sente que subiu a pulso, à custa de si próprio e do seu
trabalho.
Mas mostrou também alguém
com um enorme ego, alimentado pela convicção do seu saber e dos méritos do seu
trabalho e conhecimentos sobre futebol.
Nessa altura do ano,
Jesus estava na crista da onda, algumas semanas depois, Jesus ajoelhava no estádio
das Antas, num gesto que exprimiu e pressagiou o crescendo de tragédia que se
seguiria até final da época.
Foi azar? Foi 'castigo de
Deus'? Foram (apenas) as manobras do ‘sistema’?
Não. Tanto na época
passada como nas épocas que se seguiram à conquista do primeiro campeonato,
Jesus mostrou que afinal não dominava o
esprit de finesse. Sobretudo, que não fora capaz de aplicar o esprit de finesse à análise de si próprio
e das suas limitações: a arrogância, o autoconvencimento, insuficiências de
liderança, teimosia muito para além das convicções, e sobretudo que, por muito
grande que seja o seu ego, o Sport Lisboa e Benfica é intocável e infinitamente
maior.
Na palestra que fez na
FMH, Jesus, pela mão de Manuel Sérgio, também citou Lenine: “A prática é o critério da verdade” (Lenine
costumava utilizar outra expressão mais prosaica e a vários títulos ‘deliciosa’:
“A melhor maneira de provar que o bolo existe, é comê-lo!”).
A tragédia da época
passada foi a maior prova de verdade que Jesus podia ter enfrentado. Suficientemente
forte para fazer abalar a sua estrutura e obrigá-lo a colocar-se em causa? Jesus
aprendeu com a lição?
Penso que sim, e que
continua a aprender. Jesus foi obrigado a apurar o seu esprit de finesse. Alterou métodos, redinamizou a equipa, introduziu
maior realismo e respeito pelos adversários, reforçou a liderança junto dos
jogadores, fez progressos no sentido de perder o medo de jogar com o Porto,
embora ainda tenha que melhorar neste aspecto.
E, mesmo com algumas
recaídas graves, como o empurrão ao Benfica, na pessoa do Senhor Shéu Han, Jesus
vem mostrando ter, finalmente, percebido toda a enorme dimensão do SLB, que está
muito para além dele e que lhe permitiu subir ao patamar em que se encontra.
Talvez a morte de Eusébio
e Coluna tenham também contribuído neste sentido. Mas o Jesus que eu vi no
Marquês, saltando na festa, dentro de uma camisola do Benfica, cachecol enrolado
na cabeça e boné, numa imagem chã e comum de um adepto como nós, deixa-me muito
esperançado.
E assim chegamos ao Domingo
de Páscoa, dia 20 de Abril de 2014, dia do 33º! (ao que dizem, 33 era a idade
de Jesus, o outro).
Terá Jesus (o Jorge)
ressuscitado neste dia de Páscoa? Não, não ressuscitou, pela simples razão de
Jesus (o Jorge) não ter sido ‘crucificado’ nem ter ‘morrido’, porque Luís
Filipe Vieira (com liderança e esprit de
finesse!) não se prestou ao papel de Pôncio Pilatos.
E ainda bem que não houve
ressurreição porque, então, teria que haver ascensão aos céus, e não é caso
para tanto, para além de ficarmos sem treinador.
Muitas provas de verdade
estão ainda pela frente. A primeira delas é já amanhã, frente à Juventus.
Sejam quais forem os
resultados, a minha esperança é que estejam finalmente criadas condições para construir
um Benfica muito forte, unido (união não é a-criticismo e unicidade, é: E Pluribus Unum!), com esprit de géométrie e esprit de finesse (e muita, muita paixão!).
Obrigado amigo Jota,alguem escreve aquilo que penso de JJ com uma descrição filosófica que merece aplausos,parabens e um BEM HAJA. Abraço benfiquista
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