quarta-feira, 23 de abril de 2014

Jesus, a Páscoa e Pascal


Podem estar descansados, vou tentar não entrar num jogo de trocadilhos fáceis em torno dos Jesus e das suas ‘paixões’. Pretendo sobretudo discorrer um pouco sobre a vida de Jesus (o Jorge) no Benfica e indagar até que ponto tem vindo a evoluir com a experiência no Templo, ou seja, na Catedral.

Comecemos por recorrer a Pascal, não o adjectivo relativo a Páscoa, mas Blaise Pascal, homem de ciência, filósofo e teólogo do século XVII.

Numa conferência de imprensa, em Março do ano passado, Jesus brandiu perante os jornalistas uma citação de Pascal, fornecida pelo amigo e mentor, filósofo e epistemólogo do desporto, Manuel Sérgio: “O coração tem razões que a razão não entende”.

Vinte e sete anos mais novo que Descartes, vivendo num século em que a luta pelo estatuto e afirmação do poder da razão atingiu um dos pontos mais altos, Pascal, matemático e homem de ciência, não negava o poder e a necessidade da razão, nomeadamente no conhecimento das leis da natureza, mas foi um dos primeiros a afirmar os limites da razão e a importância do ‘coração’, sobretudo no conhecimento das coisas humanas.

Pascal designava o conhecimento racional, demonstrativo, de esprit de géométrie (espírito de geometria) e o conhecimento pelo ‘coração’ de esprit de finesse (espirito de finura, sagacidade).

Para Pascal o ‘coração’, o esprit de finesse, não abrange apenas as emoções e sentimentos, mas também uma certa forma de conhecimento intuitivo, de sagacidade. Se o esprit de géométrie conhece pelo raciocínio, o esprit de finesse conhece pela compreensão.

Estas questões são de grande actualidade e são tema de proa na investigação moderna, designadamente nas neurociências, onde pontifica o investigador português António Damásio (O Erro de Descartes, O Conhecimento de Si, O Livro da Consciência).

Tudo isto vem a propósito, não apenas por Jesus ter citado Pascal, mas sobretudo pelo facto de Jorge Jesus assumir que procura integrar razão e emoção na sua ‘ciência’ do treino de futebol.

Na palestra que fez na Faculdade de Motricidade Humana, também em Março do ano passado, Jesus quis sublinhar a sua condição de autodidata e criador da sua ‘ciência’ do futebol.

Esta ‘ciência’ assenta em cinco fundamentos (“Fui eu que os criei”, afirmou Jesus): Criatividade, Saber Operacionalizar, Liderança, Organização, Paixão.

Nestes fundamentos, razão e emoção estão sempre presentes. Mesmo no ponto da Organização, da ‘estrutura’, que inclui o departamento médico, Jesus não deixou de afirmar que, nalguns casos, mesmo quando as análises clínicas (científicas) apontam para o facto de um jogador poder estar fatigado, ele pode decidir pô-lo a jogar quando a observação que faz dele e a disposição que apresenta demonstram que pode render em campo.

Jesus afirmou também ser um ‘homem de convicções’. Alguns chamam-lhe teimoso, mas não é teimosia, diz, é convicção. Não adapta o modelo de jogo às características dos jogadores, são estes que têm que adaptar-se ao seu modelo de jogo.

Esta palestra mostrou um Jorge Jesus inteligente, profundamente conhecedor do futebol e da metodologia de treino, alguém que sente que subiu a pulso, à custa de si próprio e do seu trabalho.

Mas mostrou também alguém com um enorme ego, alimentado pela convicção do seu saber e dos méritos do seu trabalho e conhecimentos sobre futebol.

Nessa altura do ano, Jesus estava na crista da onda, algumas semanas depois, Jesus ajoelhava no estádio das Antas, num gesto que exprimiu e pressagiou o crescendo de tragédia que se seguiria até final da época.

Foi azar? Foi 'castigo de Deus'? Foram (apenas) as manobras do ‘sistema’?

Não. Tanto na época passada como nas épocas que se seguiram à conquista do primeiro campeonato, Jesus mostrou que afinal não dominava o esprit de finesse. Sobretudo, que não fora capaz de aplicar o esprit de finesse à análise de si próprio e das suas limitações: a arrogância, o autoconvencimento, insuficiências de liderança, teimosia muito para além das convicções, e sobretudo que, por muito grande que seja o seu ego, o Sport Lisboa e Benfica é intocável e infinitamente maior.

Na palestra que fez na FMH, Jesus, pela mão de Manuel Sérgio, também citou Lenine: “A prática é o critério da verdade” (Lenine costumava utilizar outra expressão mais prosaica e a vários títulos ‘deliciosa’: “A melhor maneira de provar que o bolo existe, é comê-lo!”).

A tragédia da época passada foi a maior prova de verdade que Jesus podia ter enfrentado. Suficientemente forte para fazer abalar a sua estrutura e obrigá-lo a colocar-se em causa? Jesus aprendeu com a lição?

Penso que sim, e que continua a aprender. Jesus foi obrigado a apurar o seu esprit de finesse. Alterou métodos, redinamizou a equipa, introduziu maior realismo e respeito pelos adversários, reforçou a liderança junto dos jogadores, fez progressos no sentido de perder o medo de jogar com o Porto, embora ainda tenha que melhorar neste aspecto.

E, mesmo com algumas recaídas graves, como o empurrão ao Benfica, na pessoa do Senhor Shéu Han, Jesus vem mostrando ter, finalmente, percebido toda a enorme dimensão do SLB, que está muito para além dele e que lhe permitiu subir ao patamar em que se encontra.

Talvez a morte de Eusébio e Coluna tenham também contribuído neste sentido. Mas o Jesus que eu vi no Marquês, saltando na festa, dentro de uma camisola do Benfica, cachecol enrolado na cabeça e boné, numa imagem chã e comum de um adepto como nós, deixa-me muito esperançado.

E assim chegamos ao Domingo de Páscoa, dia 20 de Abril de 2014, dia do 33º! (ao que dizem, 33 era a idade de Jesus, o outro).

Terá Jesus (o Jorge) ressuscitado neste dia de Páscoa? Não, não ressuscitou, pela simples razão de Jesus (o Jorge) não ter sido ‘crucificado’ nem ter ‘morrido’, porque Luís Filipe Vieira (com liderança e esprit de finesse!) não se prestou ao papel de Pôncio Pilatos.

E ainda bem que não houve ressurreição porque, então, teria que haver ascensão aos céus, e não é caso para tanto, para além de ficarmos sem treinador.

Muitas provas de verdade estão ainda pela frente. A primeira delas é já amanhã, frente à Juventus.

Sejam quais forem os resultados, a minha esperança é que estejam finalmente criadas condições para construir um Benfica muito forte, unido (união não é a-criticismo e unicidade, é: E Pluribus Unum!), com esprit de géométrie e esprit de finesse (e muita, muita paixão!).
 
Se assim for, então talvez este 20 de Abril de 2014 simbolize também (não como a páscoa cristã, mas como a original páscoa judaica) a libertação do jugo da opressão, neste caso do sistema corrupto do ‘faraó’ da fruta.

1 comentário:

  1. Obrigado amigo Jota,alguem escreve aquilo que penso de JJ com uma descrição filosófica que merece aplausos,parabens e um BEM HAJA. Abraço benfiquista

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